Tem quem ame ser mãe e ame sua cria. Tem quem ama ser mãe e está passando por altos e baixos com a cria (alô, adolescência!). Tem quem não é mãe e quer ser. Tem quem é mãe e não queria ser. Tem quem ama a cria e odeia ser mãe. Tem quem não quer ser mãe, mas tem mãe — e isso já é drama com maternidade o suficiente. Aqui na Folga cabe todo mundo. Mas o que é comum a todas nós é ser muito mais além da maternidade. Quem é você?
As ilustrações desta edição são de Camila Rosa.
Voltei pra mim
Por Helen Ramos
Há alguns dias encontrei amigas da época da escola. A história é clássica: cada uma foi pra um canto, seguiu um caminho diferente. Algumas ainda são super próximas e outras nem tanto (que é meu caso). Quando nos vemos é aquela intimidade, carinho e papo bom.
Um assunto demarcou muito bem o que tinha mudado entre aquelas amigas da escola e as que se reencontraram: uma amiga estava com um bebê precioso e dorminhoco de 3 meses, e outra com uma menininha linda de 7 meses que aceitou meu colo por muito tempo. Ainda tinha a grávida de gêmeas e uma amiga que não é mãe, mas uma super tia para o sobrinho mais inteligente do mundo.
Meu filho nasceu quando eu tinha 27 anos, e brinco que tive gravidez na adolescência, uma zoeira, mas foi como eu me senti. Ninguém à minha volta tinha filhos, muito menos era mãe solo e solteira. Eu me sentia um OVNI pousando em qualquer lugar que ia: olhares de curiosidade, pena, estranheza. Pobre Helen. Pode tocar? O que vocês mães comem no planeta mães? Sabe aqueles filmes americanos de high school em que todos os alunos no corredor param para observar a pessoa vulnerável passar em câmera lenta? Eu vivi várias dessas situações — reais e na minha neurose.
A necessidade de trocar ideia sobre assuntos relacionados a bebês era imensa: tipo de cocôs, lavagem de nariz, como fazer introdução alimentar, noites mal dormidas, tipo de febres. E a libido? Vocês se sentem sozinhas? Bate desespero nos saltos de crescimento? Quais são os saltos? Creche, sim ou não? E na época, em 1877, também conhecido como 2014, não havia podcasts, não tinha Instagram sobre disciplina positiva, e minhas amigas e amigos próximos estavam programando rolês de muita bebida e diversão nas ruas, bem tarde, bem frio, com muitos cigarros e bebidas.
E eu, adolescente de 27 anos, vivi um lockdown quando a gente nem sonhava em pandemia. Quem foi a primeira mãe da galera sabe.
É claro que, antes que eu receba mensagens com imagens e áudios de amigos sentindo-se mal agradecidos, acho importante dizer que tive amizades, sim, que seguraram no coqueiro comigo após esse tsunami que é a mudança na vida de uma mulher ao se tornar mãe. Essas boas e raras almas chegavam num bote salva-vidas trazendo risadas, um abraço, companhia, comida, e às vezes até mentiam dizendo que aquele festival de música nem foi muito bom.
Mas além dessas amizades de diamante, eu precisava conhecer gente que estava vivendo esse novo ecossistema, então eu mergulhei na internet e acabei achando muita informação e muitos OVNIs. Que alívio. Percebi que realmente eu tinha mudado de planeta e precisava achar outros seres que viviam na mesma atmosfera que eu.
Uma das minhas maiores crises maternas era a necessidade de relembrar repetidas vezes que eu não era só uma mãe. Nunca fui aquela mãe de filme de comédia romântica nem aquela mãe da revista que pratica seu cooper no parque empurrando o bebê no carrinho (eu jurava que ia conseguir fazer isso). E principalmente, nunca fui a mãe de unhas francesinhas dos comerciais de shampoo infantil que dá banho em uma bebê e sai intacta e seca. Eu sou a mãe que joguei uma chinela na TV de raiva dessa mentira(na minha imaginação).
Eu era uma mulher com um bebê fofo que à noite ainda estava sujo do almoço. Uma mãe que pesquisava com muito afinco onde comprar fraldas mais baratas. Uma mãe com o look repetido de legging e camisetão velho 7 vezes na semana. Uma mãe que se afundava em leituras sobre criação e que priorizava os melhores vegetais e frutas para seu bebê, mas que também priorizava um respiro, um jeito de sair e tomar uma cerveja, de dançar numa pista cheia. Eu me tornei mãe, mas ainda era uma mulher que queria passar um rímel na sexta-feira, nem que fosse pra pegar no sono antes da carona passar pra me buscar.
O mundo deu voltas e fiz meu canal no YouTube. Ele falava sobre essa mãe real, essa mulher que não precisa morrer pra uma mãe existir, que não é o caso de você ser só a Rutinha ou só a Raquel, é mais pra ser a Glória Pires que faz o papel das duas (oi, cringes). E foi batendo nessa tecla que um dia me toquei que havia me tornado uma pessoa que só era lembrada ou referida quando o assunto era mãe. Que cilada, Bino.
Bom, peguei meu barquinho e fui navegar nesses oceanos. Parei nas ilhas que eu precisava: dos meus desejos antigos interrompidos, dos novos desejos, da cura da alma, da análise, e o interessante é que em todos esses locais eles todos tinham uma interseção: a maternidade. Seja no meu roteiro de filme, na peça de teatro, no estudo da psicanálise, nas minhas telas (mentira, eu não pinto nada, mas ia ser chique se sim, já pensou?). Todos esse locais tinham esse ser gigante, essa mãe e também essa filha.
No almoço com minhas amigas um assunto veio à tona: algumas delas me pediam desculpas por não terem sido presentes nos primeiros anos do Caê, não sabiam o que estava rolando ali e só agora, mães, entenderam. Contei que elas não foram as primeiras a aparecerem com esse pedido de desculpas. Acredito que todas, todas minhas amigas que se tornaram mãe, me encontraram com um olhar cheio de culpa e um abraço apertado pra me dar. E, sinceramente, eu não guardo mágoa nenhuma, até porque se fosse uma amiga que tivesse tido filho primeiro eu teria feito o mesmo. Teria sido relapsa, talvez inclusive tenha feito com alguém antes de mim e não tô nem me lembrando.
Nesse dia do almoço, eu estava tão feliz de estar numa mesa e falando de amamentação, de parto, de se pode beber ou não, de ser a mãe do futuro entre aquelas amigas e dizer: gente, não se deixem de lado e no fim vai dar tudo certo. Na despedida, disse: aliás, meninas, já já lanço uma newsletter. Elas: sobre o quê? Com a boca cheia de sorriso, respondi: maternidade.
Elas: ué? Você voltou?
Voltei.
Como assim A MINHA MÃE TRANSA?
A gente já está cansada de saber que a maternidade traz diversos tabus, e um dos maiores é a questão da sexualidade da mulher. As pessoas se chocam quando você diz que transou grávida, que tem tesão, que preparou uma "noite caliente" com o/a parceire naquele day off dos filhos, e quando entramos no assunto vibrador é aí que o susto vem. Pera aí, você não tem um vibrador? Nunca experimentou? Tem um, mas quer saber mais? É com a gente mesmo. Com a gente e com Pantynova, que patrocina essa Folga vibrante de hoje pra você.
A Pantynova é uma marca pioneira no Brasil de bem-estar sexual que aborda esse tema de um jeito bem leve e natural. Fundada 100% por pessoas LGBTQIA+, a marca veio para mostrar que falar de sexo e cuidar do seu prazer não deve ser um tabu.
Lá no site da Pantynova você pode conhecer todos os modelos de sex toys e outros produtinhos para o bem-estar sexual. E aproveite o cupom folgaprasmaes para ganhar 10% de desconto na sua compra (válido até o dia 28/05/2022). De nada ;-)



Todos os produtos são a prova d'água e possuem 6 meses de garantia, além de que eles chegam super discretinhos ai na sua casa!
Sou mãe. E sou um trator
Por Carol Pires
Antes, uma observação. Quando digo “homem é” não estou me referindo a todos os homens, mas sim ao homem médio, ao imaginário que temos de homem, a uma maioria mal resolvida que decide entrar em crise quando vira pai — que vem a ser a grandíssima maioria dos homens que conheço na intimidade ou através do relato de suas companheiras. Ressalvado isso, começo o texto: Homem é frouxo.
Eu costumava dizer que nós, mulheres, somos Ferraris — potentes, eficientes, design incomportável e, além de tudo, sempre bem lustradas. Eu dizia, em comparação, que os homens são um Monza, que mesmo com toda manutenção e assistência, uma hora vai te deixar na mão.
Mas recentemente fiz uma amiga nova. Ela é bem sucedida, linda, doce, divertida, saudável e equilibrada e se chama Carla Monza — ela também uma Ferrari! Por isso decidi parar de fazer piada de que homem é Monza. Passei a dizer que os homens são carroças.
Eu estou brincando. Mas não estou.
Tem muito homem bonito, homem legal, homem engraçado, inteligente, bem-sucedido, talentoso, pacífico, gostoso, romântico, bom amigo, bom marido e bom pai. Possivelmente não tudo ao mesmo tempo. Mas, garimpando, a gente acha umas pepitas. Mas o homem médio, em geral, só é muito bom quando está focado em conseguir o que quer. E quase sempre ele quer é prazer fácil e pouca responsabilidade. É muito comum também que o homem queira o que acha que precisa querer — e que por isso mesmo não são felizes quando conseguem o que achavam que queriam.
Estou em diversos grupos de mães e é bem impressionante - e enfurecedor - como todas as mulheres reclamam da sobrecarga física e mental. O homem-médio se diz inseguro de procurar os médicos dos filhos e marcar as consultas sozinhos. Se dizem desatentos para lembrar as datas das vacinas e a hora do remédio. Se sentem desajeitados para dar banho, cortar unhas, passar pomada, comprar roupa. Não lembram os nomes de todas as professoras, assistentes e coleguinhas. Se sentem muito cansados para chegar do trabalho e ter paciência com as birras dos filhos. Mas também se queixam de abandono da parceira — a mesma que está fazendo tudo isso enquanto seu corpo está em puerpério.
(Duvida? Veja esse vídeo)
Bom mesmo o homem-médio é em apontar o que você, mãe, fez de errado. O que deveria ter feito. Como deve fazer. "Coloca um casaco nessa criança", ele diz, incapaz de pegar ele mesmo um abrigo. Então a mãe olha a criança, coloca o casaco, marca a consulta, checa as vacinas, dá o banho, o remédio, a comida, o carinho, administra a carreira, a casa e a birra.
Volta e meia tenho piedade dos homens-médios. Não são eles que são lentos e pifam fácil. Eu que sou um trator. Fico achando que é mais fácil resolver sozinha do que esperar que o outro se manque ou pegue no tranco. Acho mesmo que me preparo melhor pro dia D. E que quando tudo dá errado na hora H, sou melhor pensando num plano B. Quando vejo, estou dando conta de A a Z.
E é mais. Sinto até que funciono melhor fazendo tudo ao mesmo tempo, encaixando trabalhos em cada segundo livre, deixando a cabeça trabalhar a todo vapor para não ter tempo nem de lembrar que estou cansada. Tenho até uma certa satisfação quando todos os meus pratinhos estão girando no ar ao mesmo tempo sem cair.
Até que me sinto frita, exaurida, aterrada, triste, sem sentido. Virei mesmo um trator: funcional, mas feia, mal cuidada, enferrujada, atrativa pra ninguém. Aí volto a odiar esse tipo de homem frouxo. Porque é por causa deles que todas as mulheres que conheço — fora duas ou três que acharam a pepita — acabam virando um trator. Ninguém merece ser trator.
Muitas vezes todos nós, independente de gênero, não acolhemos as necessidades dos outros porque não entendemos totalmente o que esperam de nós. (Mas não tô falando de trocar fralda, isso todo mundo aprende.) E é por não entender o outro que não o acolhemos. Ou porque estamos vazios e não temos muito o que oferecer. Em vez de pensar que o outro não quer me dar apoio e ajuda e sim que ele não tem o que me dar não me ajuda com a sobrecarga, é verdade. Mas ajuda a diluir o ressentimento.
Por isso tenho passado a ter menos raiva desses homens-carroça que povoam a vida das mães e me amar mais. Me lembro que dou conta de tudo, sim. Mas que melhor ainda é dar conta de tudo com redes de apoio, admitindo que estou cansada. Dou conta de tudo, sim. Mas nesse tudo preciso incluir o descanso, o ócio, o rolê, o prazer. Aos poucos tenho conseguido deixar menos trator. Prefiro ser Carla Monza.
Eu sempre fui do mundo
Por Anielle Franco
Fui mãe pela primeira vez aos 32 anos. Nessa época, eu lecionava em cinco escolas. Sim, isso mesmo, cinco escolas! Era manhã, tarde e noite. Fora as aulas particulares nos finais de semana, feriados e espacinhos entre agendas. Eu tinha sonhos, e eles precisavam de grana, estudo e dedicação para se concretizarem e não via outra saída que não fosse trabalhar o dia todo.
De segunda a sexta, eu acordava às 5:30 da manhã e preparava duas malas, a minha e a da criança. Ela ficava na creche e eu entrava para a minha primeira aula às 7 da manhã. No primeiro intervalo, longe dela, era meu peito que gritava para amamentar. Não só os bebês choram. Os seios também. E assim eu fazia entre uma aula e outra. No segundo intervalo, eu dava uma aula particular porque aqueles 50 reais pagavam as fraldas. Na hora do almoço, lá estava eu estudando para fazer concurso público para o magistério.
Quando o relógio batia uma da tarde, era hora de ir para a outra escola. Sim, outra escola. No ponto esperando o busão chegar, era a hora de comer aquela marmita já gelada. Isso quando não ia comendo já embarcada com o carro em movimento. Ah, e tinha dia, minha irmã, que a comida estragava pelo calor e eu ficava era sem almoço. Nos intervalos da tarde eu pesquisava sobre cursos gratuitos e mestrados. Quando batia o sinal das 6 da tarde, eu saía para buscar a menina, que tinha ficado na creche doze horas e só queria a mãe. E eu, claro, só queria ela. As mães também choram.
No fim dessa jornada, eu ainda chegava em casa e cozinhava, lavava roupa, dava atenção, carinho e, com o tempo, passei a encontrar em casa um ambiente tóxico, um campo minado. Mas hoje vejo que, apesar daquilo, não me anulei. Eu sou do mundo e nunca deixei de olhar pra fora.
O problema é que lá fora eu tinha que enfrentar outros desafios: os questionamentos dos outros sobre meu maternar. "Mas ela ficou com quem?"; "E o pai não acha ruim?". O nível de cobrança, perguntas e dúvidas que pairavam sobre mim após ser mãe pela primeira vez foi algo tão surreal que em alguns momentos eu tive vontade de colocar minha filha de volta na barriga e guardar lá por todo o sempre.
Hoje o trabalho mudou, o mundo me chamou de volta e eu fui. Mas penso muito naqueles primeiros quatro anos em que eu ainda achava tempo de me achar bonita, sair, sentir prazer, me sentir viva. No fundo eu sabia que, além de ser mãe, eu precisava ser uma mulher realizada para estar à altura de criar uma menina nesse mundo tão cruel.
Para além de todo o trabalho, eu sou mãe! Mas para além de mãe, eu sou mulher. A melhor mãe? Provavelmente não. A mulher mais forte? Também não! Mas a melhor versão que eu posso ser.
Repito sempre a mim mesma que mãe ama, sonha, conquista, transa, chora, se alegra, viaja, trabalha fora e em casa, zoa com as amigas, luta por um mundo melhor, se cuida, entende outras mães, fortalece mulheres, acredita em si mesma, desaba, levanta, imagina, cria, beija, desiste, ressignifica e vive. Ufa!
Quando questionam nossos passos é porque não sabem quantos sapatos trocamos até ali ou quantas cutículas arrancamos na unha que nos incomodavam. Questionar nosso maternar é muito tranquilo para quem só observa, não vive. Portanto, o passo que a gente dá é o passo que nossa perna alcança. Ninguém precisa dar conta de tudo, não somos máquinas. Mãe é gente, também cansa e suporta tudo aquilo que nem imaginava ser capaz de suportar. Dessa forma, gostaria de te lembrar que precisamos reconhecer nossas vitórias, sem esquecer nossos percalços!
Assim como eu, Carol, Helen e tantas outras… Eu desejo hoje que você se olhe com amor, orgulho e entenda que, para além de mãe, você é tudo que quer ser e pode ser! Tudo que sonha ser.
Bora juntas!
CONVIDADA DA EDIÇÃO
Quando nasce uma madrasta
Por Camila Fremder*
Não sou só uma mãe. Faz dois anos e meio que também sou madrasta. Sendo madrasta, aprendi que madrasta não é mãe, madrasta é madrasta, e ponto. Assim que fui presenteada com esse novo título e função, percebi que já tinha refletido sobre a princesa da Disney submissa, padrãozinha, sem autonomia. Mas a madrasta má que humilha a Cinderela nunca tinha sido motivo de reflexão em meio a tantas nóias que me aparecem diariamente.
Me olhei no espelho, mas a cara era a mesma, nenhuma maquiagem roxa, sobrancelha arqueada ou risada maquiavélica. Era a Camila de sempre, mas agora como madrasta, com medo de errar ou ultrapassar algum limite, de não saber dividir, de ter dificuldade em se doar, de sentir ciúmes, de ser infantil com uma criança e tantas outras questões. Filha de pais casados, a madrasta má da Disney era a minha única referência de madrasta na vida. Pensei que fazer a minha parte seria o suficiente, debater a questão durante minhas sessões de análise, construir uma relação de respeito com a mãe da minha enteada e pesquisar livros e matérias sobre o tema.
Percebi que, além de termos pouco conteúdo sobre isso, ao digitar a palavra madrasta no campo de busca de sites de compras de livros online, outro tipo de conteúdo foi encontrado. Livros e filmes pornográficos e, agora sim, com uma grande variedade. Ou seja, em uma rápida análise encontrei duas referências, a vilã e a pornografia.
Por aqui a vida seguia normal, entre erros e acertos de todos da família, até que um dia desses fui buscar minha enteada na escola e me atrasei 10 minutos. Eis que ela me conta que uma pessoa da escola, não me lembro se estudante ou professor, perguntou quem ela esperava, ela respondeu que a madrasta avisou que estava um pouco atrasada, e então a pessoa solta: HUMM… SERÁ QUE FOI DE PROPÓSITO?
Não é uma nóia minha. A primeira referência de todos é a madrasta má, que inveja, compete e atrapalha, mas depois desses quase três anos exercendo essa nova função, eu percebi que o lado ruim de ser madrasta é a possibilidade e a fragilidade com que se pode, um dia, perder esse posto, porque eu amo muito ser madrasta. De resto, é lutar contra os velhos estereótipos.
*A cada news, teremos uma mãe convidada pra se juntar ao time do Folga. E para estrear esse espaço, não tinha outra possibilidade que não nossa mãe sem carisma Camila Fremder, mãe do Arthur, a criança mais carismática desse BRASIL.
Cartas da Paula
Olá meninas, sou a Paula, mãe de dois meninos, um de 4 e um de 3 anos. Quis muito ter filhos. Na primeira gestação, violência obstétrica, um médico inventando mil doenças (trombofilia, hipertensão e diabetes gestacional), me chamando de gorda e perguntando se eu queria matar meu filho. Fim do primeiro ato: cesárea às 37 semanas, 12 dias de UTI, bebê entubado e eu, que sou atéia, peregrinando entre igrejas, fazendo promessas a todos os santos e orixás (alô encantados, um dia pago todas elas...). Veio a segunda gestação, primeiro bebê com 7 meses, cara de bunda do meu marido (um cara bem parceiro e que se esforça no exercício diário de desconstrução – diga-se de passagem). Como, grávida de novo? Ué, você estava lá comigo na fecundação, oras! Pré natal com duas médicas maravilhosas, grupo de apoio, ioga, hidroginástica, exercícios perineais, acupuntura, mocha. Exames muito parecidos com o da primeira gestação e sem “doença” nenhuma. Fim do segundo ato: um bebê super saudável, nascido às 40 semanas na água, num parto humanizado, indo pra casa no dia em que nasceu. Adivinha onde veio a depressão pós-parto? No segundo filho! Olhava para ele e o via doente, achava que tinha mil coisas, só chorava, abraçava meus dois filhos e dizia: onde foi que eu errei? Aos sete meses do segundo filho fiz minha primeira viagem a trabalho sem eles. Nem lembro como foi a noite que eu sonhei dormir a noite inteira, porque uma febre de 40 graus me acometeu, tetas inchadas e doloridas, esguichando leite no aeroporto quando ouvi uma criança chorar. Hoje em dia, com eles um pouco maiores, me pego ainda exausta e cheia de grilos na minha rotina privilegiada, com empregada doméstica, casa limpa, roupa lavada e almoço feito. Fico pensando: como a maioria das mães faz? De onde vem a força dessa mulherada para criar os filhos sob sabe-se lá que condições. Em meio a minha culpa por me sentir privilegiada, me perdoei. Sei exatamente de onde vem essa força e quem são os agentes propulsores da nossa abnegação. Combatê-los é garantir a nossa sobrevivência e a perpetuação da espécie.
Paula, menina, esse tema da violência obstétrica precisa ser muito mais debatido. Os médicos precisam ter mais responsabilidade emocional sobre os pacientes porque eles têm muito poder — pro diagnóstico pra cura, mas também para ferir física e emocionalmente. E essa violência contra as mães por parte de alguns maus médicos aparece de várias formas. É no pré-natal, como aconteceu contigo; é no parto, como a história aterrorizante da influenciadora Shantal; e continua sendo verdade depois do parto, nos consultórios pediátricos. Temos percebido que uma história comum entre as mães atípicas é um gaslighting de médicos que afirmam que não há nada de errado com a criança, que as mães que estão doidas, que estão procurando problemas em filhos saudáveis. A @_carolrezende_, mãe do Samuel, o menino mais sorridente do Instagram, contou um pouco sobre a angústia dela em buscar um diagnóstico para o filho, que tem paralisia cerebral. Conhecer nossos corpos e nossos direitos desde cedo é muito importante nessa luta. Relatar casos como o seu também ajuda outras mulheres a identificar a violência sofrida. Vamos juntas.
Oi meninas, como estão as coisas por ai?
Por aqui me encontro grávida de quase 6 meses, sem sentir aquele amor que tanto me falaram.
Foi uma gravidez nada planejada. No dia que descobri, tinha uma entrevista marcada para trocar de emprego. Além do susto gigantesco, agora ficam as dúvidas: "se eu não estivesse grávida, estaria mais feliz em outra empresa?"; "se não fosse pelo bebê, eu poderia trocar de carro esse ano, fazer aquela viagem, me separar...". E aí vem a culpa por estar pensando em tudo isso. Ouvi da minha terapeuta que o bebê iria "sentir" essa vibe ruim (troquei de terapeuta, mais uma culpa não dá).
Alguma dica para passar por esse momento?
Paula, quem vai sentir vibe ruim é esse terapeuta, que vai acabar sem pacientes. Por aqui tivemos gravidezes planejadas e não planejadas, e viver uma ou outra não é garantia de sentir aquele tal amor que tanto falam. E sei lá se ele existe, viu? Na Folga passada, compartilhamos um artigo que diz que fazer as mães se sentirem culpadas é uma estratégia do capitalismo para te fazer trabalhar pela criação dos futuros cidadãos de graça. (Leia aqui em inglês) Mas, política à parte, tenta pensar também que AQUELEAMOR, algumas vezes, nem é pelo bebê, é pelo sonho de ter um filho, pela projeção de que ser mãe tapará um buraco existencial. O filho mesmo a gente conhece quando nasce e começa a criar uma relação dia a dia. Temos uma amiga, a Paula, que só foi sentir AQUELEAMOR quando a filha já tinha lá pelos seus 9 meses, quando começou a rir, interagir, tentar falar e retribuir carinho. Até lá, a maternidade foi um esforço sem agradecimento. Mas ela não amava a filha antes? Amava, claro. Amar quem cuidamos é parte do nosso instinto. A cada banho, a cada alimentação, a cada noite mal dormida, a cada cheirinho a relação se constrói. Mas aquele amor de babar veio depois. E, olha, uma boa linha para você traçar no chão é que você pode um dia sentir AQUELEAMOR pelo seu filho, mas nunca sentir o mesmo por ser mãe. Outra Paula que conhecemos vive isso: ama sua cria loucamente, mas sente muita falta de ser sozinha no mundo. É contraditório, mas é como é. E tá tudo bem.
Classificados da Mãe
@compredeumamaepreta — Plataforma que divulga e dá visibilidade a negócios de Mães pretas, pardas e afro indígenas.
@quero.tchururu — marca de camisetas em que a Fernanda, mãe atípica, cria todas as estampas com inspiração no universo musical.
@portugalcom_miudos — Cristina e Caren, duas mães empreendedoras, cada uma com dois filhos e algumas dúzias de culpas, tocam a consultoria de turismo "Portugal com Miúdos".
@carolina_pires — Fotógrafa, professora, palestrante, escritora e mãe que ajuda as pessoas a olharem para suas histórias com mais amor.
@livrariafricanidades — livraria que possui acervo especializado em narrativas pretas.
Talvez você não tenha tempo, mas fica aí a dica
Hel: O curta-metragem DEUS, do diretor Vinicius Silva. Disponível aqui.
Ani: Minha dica de hoje é para o filme Viagem das garotas (Girls Trip), com um elenco maravilhoso de mulheres negras como Queen Latifah e Jada Smith. O filme conta a história de uma viagem com quatro amigas trazendo muito humor e realidade para a vida de muitas mulheres. O filme não é recente, é de 2017, mas me rendeu muitas risadas e eu super recomendei para as minhas amigas e pra vocês.
Carol: "Nem sempre gostamos de admitir, mas cuidar de crianças pequenas costuma ser bastante tedioso". Começa assim esse artigo da médica Perri Klass para o The New York Times intitulado “A culpa secreta dos pais distraídos". Me identifiquei porque costumo estar sempre culpada por olhar o celular na frente da Eva. A culpa é por achar que deveríamos brincar e educar nossos filhos todo o tempo, mas a verdade é que cuidar de crianças pode ser um grande tédio. A doutora Klass nos acalma: "criar filhos pequenos é desgastante para o seu cérebro", e tudo bem desestressar trocando mensagens com um amigo. Só não dá pra ser aquele pai ou mãe que deixa o filho escalando perigosamente aquele brinquedo do parquinho enquanto joga areia em todos ao redor — a não ser quando, inevitavelmente, somos exatamente esse pai e essa mãe.
Camila é tão maravilhosa, escrevendo sobre um tema tão importante e pouco falado. Sigam também @somosmadrastas pra mais reflexões sobre o tema!
eu sou apaixonado pela escrita de vocês ❤️